domingo, 24 de maio de 2009

O nosso Cleto








– Cletão, estamos aqui a sua família, seus amigos.

Anacleto

Anacleto,

nosso cão, melhor amigo dentre os não cães e pessoa bicho da melhor qualidade. Bicho pessoa. Bicho bicho. Animal. Humano. Demasiado.

Foi encontrado na rua onde mora a minha mãe e inicialmente adotado por ela, que lhe deu também o nome de um outro antigo cão da minha infância e adolescência no interior de São Paulo.

Desde pequenino, aquela bolinha de pelo negro, crescendo e criado com amor e carinho que é tudo o que alguém precisa para crescer bem. Pelo menos é o que eu pensava.

Cleto cresceu forte, bonito, sempre muito brincalhão, amigo dos melhores. Meigo e ao mesmo tempo um bravo. Destemido. Muito inteligente, sagaz, astuto. Cletão cresceu um belo cão mestiço entre pastor capa preta (ou manto negro) e vira-lata. Sadio, parecia indestrutível. Ensinei-o a brigar, para se defender na vida dos reveses diante de outros cães. Lutávamos artes do jiu-jitso e luta-livre e ele não desistia nunca, sempre voltando à carga. Era um guerreiro. O nosso cão. Anacla. Anacloso. Cleto. Cletão. Nomes do nosso Anacleto. Apelidos.

Cletão completava o nosso lar, a nossa casa. Éramos: Ítalo, Paula, Arthur e Cleto, aqui em casa. Quando a cinomose o pegou, Paula digitou como proteção de tela em nosso micro Ítalo, Paula, Arthur e Cleto. E isto ficou (e ficará) vagando por nossa tela enquanto cuidávamos dele, dando antibiótico, soro caseiro, vitamina C, complexo B, comida liquidificada injetada por seringa na boca e toda a parafernália farmaceutica cinomótica, além de consultas a veterinários que só souberam dizer sacrifício ao seu animal.

Sacrifício de quem, animais?

Do grande amigo precisando de carinho e cuidados em sua hora mais delicada, como qualquer alguém numa UTI!

Já imaginaram ao primeiro sintoma diante do HIV e do câncer "sacrificar" o UTInado amigo ou parente, só por "dó" ou "peninha" em vê-lo lutar até o último cartucho por sua vida? A vida vale qualquer luta. Lutar pela vida faz parte de quem vive e essa luta não é nada "bonitinha", "certinha", "cleanzinha", "politicamente corretinha" na hora mais "H" do combate. Viver é perigoso, já escreveu o Rosa, o grande João Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas. E desse perigo não temos como correr ou nos protegermos nas (falsas e hipócritas) blindagens do mundinho nosso de cada dia, inventadas por tantas inventivas e invenções das muitas inutilidades pós-moderninhas desses nossos tempinhos de merda.

Somente uma guerreira olhou para Cletão como alguém lutando por sua vida e aceitou lutarmos com ele o bom combate. Dra. Marlene Bichler, médica veterinária das boas em Arujá, SP. Por vocação e competência. Aquela alemãzona de verdes olhos de mar, que olhou para Cleto moribundo em nossa van e disse: "Como está esse menino?" E com a maior honestidade do mundo não nos prometeu nada, mas se comprometeu a lutar com todo o seu conhecimento e experiência (que são muitos) pela vida do nosso Cleto. E o pegou no colo, como se pega um filho ferido e o levou com todo cuidado e carinho para a sua mesa de exame clínico. Sem perda de tempo examinando e tomando as primeiras providências médicas. A ela se somou o Dr. Bruno William Amaro, também médico veterinário dos bons e, Lucimara, que sabe tudo de bicho ( e quem sabe, também de gente... ).

Usaram de um protocolo recentemente desenvolvido capaz de recuperar casos dados como perdidos de cinomose. Lutaram com afinco pela vida do nosso Cleto. E, o resultado logo se viu: dias depois ele parecia outro. Até latir voltou a fazer! Da última vez que o vimos, saímos de lá com a certeza de que o nosso Cletão logo estaria de volta, para cuidarmos dele até se recuperar inteiramente, nem que tivéssemos que levá-lo para sessões de acupuntura e o escambau!...

Mas... Viver é perigoso, ecoou aquela voz do sertão... O senhor é homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem [ e bicho ] humano. Travessia. E o nosso Cletão realizou a sua travessia. Quem sabe até a terceira margem do rio, esse nosso rio-rio-rio, o rio?

O fato foi que o nosso Anacleto não morreu, mas apenas "ficou encantado", pois as pessoas [ e os cães e outros bichos ] não morrem, ficam encantadas.

A gente morre é para provar que viveu.

Cleto, estamos aqui a sua família, seus amigos.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O significado de uma palestra

Estamos em plena era das palestras. Tempo de palavras em auditórios e lugares onde se pode concentrar pessoas para ouvir alguém falar...

E o que se fala numa palestra?

Tudo.

Palestra é o gênero mais democrático de informação e discussão pública. Por isso não tem sentido palestrar cobrando. E sobretudo cobrando caro. Se alguém intenta obter lucro palestrando, que seja advindo das portas que uma (boa) palestra pode abrir para palestrante e ouvinte.

Palestrar é conversar, descontraidamente, em tom coloquial, olhando nos olhos, sem receios, puxando pelo bom humor, brincando, enfatizando quando é preciso, silenciando quando necessário, sugerindo, explicitando, criando implícitos na fala, indo de um ponto ao outro sem perder o rumo da prosa. E por falar em prosa: palestrar é prosear. Ao modo de alguém, noitinha fria, ao pé de fogueira contando para outros em redor do fogo as coisas da alma, relatos de andanças, imagens de travessia...

Vamos palestrar?

E por falar em palestra, dia 4 de novembro de 2008, às 19h:30min estarei palestrando na UniABC, em Santo André, SP, falando sobre o Rosa e o seu sertão afetivamente criado. Entrem no Google, vejam o endereço da UniABC e apareçam! Será um prazer estarmos reunidos ao redor do fogo da palavra que arde na fala.

Lá estaremos, com meu amigo, parceiro e colega Prof. Sérgio Simka, a coordenadora de Letras da UniABC Profa. Telma Mafra e outros colegas e alunos interessados, além da minha mulher Paula Maria, do meu filho Arthur Bruno e da minha mãe Julieta Bruno, que sempre estão comigo em minhas andanças por palavras e lugares.

Saudações universitárias!

Abração, gente!

Prof. Ítalo Meneghetti

Palavra: matéria de encantamento e magia

Toda palavra é portadora de algo que carrega em sua semântica e diz, quando se escreve. Encerra a força do símbolo e aciona o pensamento de um modo tal que não tenho dúvida: a palavra é a maior invenção humana. Depois veio o número. É preciso pensar, antes, para enumerar.

Desculpem-me os matemáticos, mas a palavra é fundamental, tal qual a beleza na mulher para Vinícius.

Sem a palavra não temos um mundo possível em nossa dimensão humana. Nada aconteceria. Nada. Toda a possibilidade humana parte da palavra, seja oral ou escrita. A palavra opera, age e realiza. Não existiria concretização alguma se antes não houvesse a palavra em nosso mundo. Não a toa que a tradição judáica já escreveu em seu livro fundamental: No princípio era o verbo (...).

Fico, hoje, por aqui, com essa reflexão sobre a palavra. É possível reescrever o mundo, por pior que se apresente em nossa leitura.

Saudações, gente!

Abraços.

Ítalo Bruno

terça-feira, 29 de abril de 2008

Vislumbres da Mantiqueira

Exposição fotográfica de Lino Matheus: Vislumbres da Mantiqueira

A fotografia de Lino Matheus ( Foto: Beatrjs T'Kindt Lino Matheus), morador de Visconde de Mauá e amante da natureza e da Serra da Mantiqueira, descreve assim sua exposição de fotos:

"Estas fotos, técnicamente despojadas e bastante 'clássicas', não pretendem ser mais do que são: um olhar afetuoso, íntimo e momentâneo sobre as coisas singelas com as quais nos deparamos no dia a dia, ao sabor das nossas andanças pela Mantiqueira.

Elas sugerem que, ao nosso redor, à cada instante, vislumbres sutis da Natureza e da Vida Rural se oferecem aos nossos olhos, fazendo apelo à nossa sensibilidade, despertando emoções e revelando uma recôndita harmonia...

Dedico estas fotos à memória de meu filho Daniel (1985 - 2005), que aqui nasceu e que entre estas montanhas repousa."

A exposição Vislumbres da Mantiqueira aconteceu de 23 de dezembro de 2007 a 10 de fevereiro de 2008, no Centro Cultural Visconde de Mauá, na Vila de Visconde de Mauá, Município de Resende, RJ. E vale ser reapresentada para os que ainda não tiveram a oportunidade de contemplá-la. Escreva para o Blog Mantiqueira http://mantiqueira.zip.net/ e deixe o seu recado pedindo a reapresentação da exposição.

Visite o Blog Mantiqueira [ http://mantiqueira.zip.net/ ]

Caro Peregrino da Web,

Se você hoje está nos visitando, tenha certeza, algo entrelaçado nessa nossa infinita teia o trouxe até aqui. Portanto, não recue e se aconchegue à beira dessa fogueira que ilumina e aquece as noites mais escuras e frias do tempo e, sem receios, traga a sua prosa e conte para todos nós algo sobre o mundo e a vida, que é disso que todos estamos precisando.

O "Blog Mantiqueira" também é seu e o acolhe como o espaço afetivo da sua casa. Um espaço feito de palavras que movem as coisas, pessoas e seres.

Neste instante em que você acaba de chegar por aqui, Gaia, essa Terra azul e finita joga garrafas ao mar, como náufraga de uma "civilização" cujo modelo conspira permanentemente contra a sua (a nossa) vida. Lança mensagens ao infinito, quem sabe na esperança de alguém para recolher... Enquanto ainda é tempo.

Seja bem vindo, Peregrino, seja você quem for e nos conte a sua história!

Saudações!

Ítalo Bruno & Lino Matheus

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O AMOR COMO TRAVESSIA

Desde criança ouvia as pessoas falarem do amor. Ainda não sabia o que era esse enigma que tanto inquieta gerações no tempo e espaço. Embora não soubesse podia sentir a sua força e presença nos beijos e afagos dos meus pais. Era algo indescritível deitar em minha cama, nas frias e longas noites da infância e sentir que ali, pertinho de mim estavam aqueles que me davam toda a certeza de afeto e proteção: minha mãe e meu pai. E isto era o amor manifestado para mim, embora eu ainda não soubesse o que era esse algo que anda nas juras, choros, risos, gritos e gemidos de todos nós.

Estudava em colégio de padres Salesianos, em Sorocaba e, um dia, numa tarde de domingo, numa das missas, padre Martini falou, em sua homilia, sobre o amor. Leu na íntegra a Epístola de Paulo aos Coríntios, quando o apóstolo escreve acerca do amor. Lembro-me que fiquei impressionado e emocionado com aquelas palavras de efeito bonito, gostoso de ouvir, criando imagens em mim que acabei perseguindo por todo o meu tempo adiante. E eu saí de lá, daquela nossa pequena, mas singela igrejinha colegial com o firme intento de que era um amor assim que eu buscaria na vida para ser a minha mulher e a mãe dos meus filhos.

O tempo, em seu deslocamento irrevogável de pessoas, vidas, situações, coisas e lugares foi me levando para bem longe daquela tarde de domingo. Mas aquelas palavras iam comigo, guardadas no coração. Fui crescendo na perseguição do amor...

Tive encontros e desencontros, como qualquer pessoa. Muitas vezes chorei. Noutras sorri, como qualquer pessoa. Nunca tive medo de amar, tampouco de buscar incessantemente o amor e amei à esmo! Sempre em busca do amor. Mal sabia que o amor nunca se concretiza em sua interminável passagem e que quanto mais o procuramos mais nos desloca em seu rumo feito de sentimento e enigma. Assim, por algumas vezes encontrei o amor em meu caminho. Mas as palavras ouvidas naquela tarde antiga de domingo ainda ressoavam em meu coração... E eu sabia que aquele amor eu ainda não havia encontrado.

Até que na tarde mais triste de Paula eu a encontrei com a dor infinita que corrói diante da perda. A sua mãe estava morta e ela, alí, diante de mim, altiva como uma guerreira no embate com a Morte e com lágrimas no olhar. E me olhou com o olhar do tempo. E a reconheci. Era ela a mulher que sempre busquei. Era como se estivesse naquela tarde antiga de domingo ouvindo padre Martini falar sobre o amor. Curiosamente nas palavras de Paulo sobre o amor encontrei Paula, a mulher de todo o meu amar.

Daí em diante, tudo aconteceu muito rápido e o Destino nos foi favorável. Hoje estamos casados, teremos a nossa filha e o nosso filho. Temos a vida, por viver. Estradas. Veredas. Travessias. E a cada dia eu me surpreendo com essa mulher que para mim é tudo e que me olha, beija e afaga com o toque infinito da inquietação e da delicadeza. A ela dedico a minha força e o meu tempo de homem.

Eu te amo, Paula Maria. E escrevo estas palavras em teu blog [deixei escrito, nesta manhã, em seu blog http//pensamentosesentimentosaluap.blogspot.com/ ] como quem marca com o ferro em brasa a carne nua do papel digital, que é onde a palavra poética procura abrigo e costuma fazer morada.

Ítalo Bruno, teu Homem.